Durante o carnaval de 2009, mais precisamente no calar da noite da quarta-feira de 25 de fevereiro, o sinal da emissora de televisão cearense, TV Diário (canal 22), sediada em Fortaleza, era retirado da disponibilidade de canais do sistema de transmissão por satélite.

Com uma linguagem popular a audiência da TV Diário vinha crescendo absurdamente seja no Nordeste, Sudeste, Norte ou Sul do país. Na própria terra da Rede Globo, o Rio de Janeiro, alguns dos programas da emissora cearense já eram campeões de audiência em favelas como a Rosinha, e no interior de toda a região do Nordeste. A TV Diário e a simplicidade de sua programação estava sendo capaz de tirar pontos no IBOPE da poderosa e intocável Rede Globo. Isso era uma ameaça para a Globo, perder espaço para uma emissora de TV que ousou em construir uma grade de programação totalmente local, além de telejornais de abrangência nacional com o olhar nordestino.

A popularização das antenas parabólicas pelo Brasil levava ao alcance, além de Fortaleza, cidade sede da emissora, para fronteiras antes nunca conquistadas por uma televisão nordestina ou até mesmo brasileira. Com isso, repetidoras e geradoras da TV Diário se multiplicavam pelo interior do Brasil. A TV Diário se transformou numa verdadeira ameaça ao império e monopólio da mídia televisiva brasileira que tem como sede a região sudeste. Ou a Rede Globo acabava de uma vez com esta ousadia e pioneirismo cearesnse ou outras emissoras pelo Brasil afora iriam se multiplicar e seguir o exemplo do Ceará.

A ação julgada como censura e pressão, na época, só não passou batido na mídia local por conta da atenta vigília da mídia alternativa cearense, que tinha na democrática internet, e nos blogs, um dos maiores observatórios da mídia no Estado, o Blog dos Rastreadores de Impurezas, do então blogueiro, um dos pioneiros no Ceará, Tiago Viana, que denunciou antes do ato acontecer em seu blog, o golpe na madrugada de Carnaval, da protagonista a poderosa emissora carioca de televisão, Rede Globo.

A ação que calou a TV Diário no Nordeste, e em todo território nacional, a partir blog dos Rastreadores de Impurezas, ganhou repercussão nacional e abriu os debates naquele carnaval e nas redes sociais da época, que tinha o Orkut como o maior de todos. A mídia tradicional ficou no silêncio. Omissão quebrada depois de dias apenas pelo Jornal O Estado que teve coragem de publicar uma matéria de capa falando sobre o caso.

Entenda o caso          

Na madrugada do dia 25 de fevereiro de 2009, o canal cearense TV Diário (que tinha o slogan “A TV do Nordeste”), teve seu sinal, via parabólica, tirado do ar. A retirada foi resultado de pressões da emissora de televisão, Rede Globo, junto ao Sistema Verdes Mares, do qual a emissora faz parte. Com isso, a oferta da TV Diário,  que até então chegava a uma parcela significativa do território brasileiro, ficou restrita apenas ao estado do Ceará. Com a repercussão na Internet a Rede Globo a pressão se voltou para emissora carioca, e em nota, justificou a investida argumentando que ela teve como objetivo harmonizar os sinais de emissoras afiliadas, restringindo-os aos seus territórios de origem.

Dias depois do desligamento do sinal da TV Diário no satélite com repercussão negativa a emissora carioca publicou esta nota: “A TV Globo, como cabeça de rede da Rede Globo, formada por 121 emissoras, procura harmonizar os sinais de VHF e UHF de forma a que estes fiquem circunscritos a seus territórios de cobertura. Desta forma, em busca de uma harmonia entre todos e pelo respeito recíproco aos interesses, a atuação da TV Diário estará restrita a seu território de cobertura, não sendo mais captada em território de outros afiliados. Seu sinal permanecerá no satélite, cobrindo o estado do Ceará, porém codificado”, dizia o comunicado da Rede.

A nota, contudo, não esclarecia qual a prerrogativa da cabeça para comandar a harmonização de sinais de emissoras que não estão no seu quadro de afiliadas, como é o caso da TV Diário.

Na época, Bruno Marinoni, mestre em comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco e pesquisador, comentou sobre o caso afirmando que as estratégias do Sistema Verdes Mares no mercado cearense, as Organizações Globo tentam confundir o público insinuando que a TV Diário seria parte de sua rede, quando na verdade apenas a TV Verdes Mares faz parte dela .

“Assim, elas misturam suas medidas de ‘padronização’ das afiliadas com a pressão que vêm fazendo para minar as possibilidades de expansão de um concorrente no mercado nacional”, diz o pesquisador. O que se revela nesse processo, completa, “é a luta selvagem e desigual entre duas empresas em que a mais fraca baixa a cabeça e segue em frente numa ‘cooperação constrangida’”.

Disputa de mercado

O vertiginoso crescimento da aceitação da TV Diário a partir de sua entrada no sinal via antena parabólica deixou em alerta a Rede Globo, histórica aliada do Sistema Verdes Mares de Comunicação, grupo responsável pelas gestão da TV Diário.

De acordo com o Blog Rastreadores de Impurezas, do hoje jornalista Tiago Viana, teria havido uma ameaça de quebra de contrato por parte da Rede Globo com a TV Verdes Mares, caso o grupo responsável pelo seu controle, Edson Queiroz, continuasse a tentar expandir o alcance da TV Diário para além do Ceará. Outra ameaça, divulgada pelo blog na época, foi não conceder o direito de afiliação para o Sistema Verdes Mares de outra emissora de TV que seria instalada na região sul do Ceará, hoje já em atividade a TV Verdes Mares Cariri.

Bruno Marinoni pondera, no entanto, que a polarização entre a Rede Globo e a TV Diário não deve ser vista como um embate entre lógicas nacionais e regionais, mas como uma disputa empresarial motivada pela lógica da mercadoria que elas imprimem à comunicação. “Nesse caso a liberdade de empresa precede em relação ao direito à comunicação, pois são duas empresas com poderes diferentes e todas duas tomaram a decisão política de garantir a manutenção do seu faturamento em detrimento da manutenção da abertura para a diversidade”, comenta.

Apesar de uma programação totalmente produzida localmente, a TV Diário não estava imune às críticas acerca de seus conteúdos. A emissora foge da simples retransmissão de programas nacionais, mas essa opção estava longe de representar uma ruptura com o modelo de programação e linguagem das redes nacionais.

“A bandeira do regionalismo que é levantada pela TV Diário só é válida até o momento que isso não ameace o seu faturamento, serve apenas como mote para explorar um nicho de mercado”, denuncia Marinoni.

A TV do Nordeste

Com seu slogan inicial que se auto intitulava como “a TV do Nordeste”, a TV Diário, iniciou suas transmissões em 1° julho de 1998, com a proposta de “mostrar o Nordeste com uma linguagem coloquial e um pouco distante dos ditames formais e pré-estabelecidas de outras emissoras; uma linguagem inovadora e diferente e que traduzisse a cultura e as necessidades do povo nordestino”, conforme sua página na internet dizia na época.

A programação da emissora, com produção exclusivamente cearense e com apelo nordestino, acabou por preencher a lacuna da ausência de conteúdos regionais criada pelo modelo de redes nacionais, calcado nas produções realizadas pelo eixo Rio-São Paulo.

Segundo pesquisa realizada pelo Observatório do Direito à Comunicação são veiculados pelas emissoras brasileiras uma média de apenas 10,83% de programas regionais nas grades de programação.

O Sistema Verdes Mares, controlador da TV Diário, é o maior conglomerado de comunicação do Ceará. Faz parte de seus empreendimentos de comunicação: um jornal impresso, o Diário do Nordeste; três emissoras de televisão, a TV Verdes Mares, TV Verdes Mares Cariri e a TV Diário, respectivamente; três rádios, sendo duas FMs (uma no Recife e outra em Fortaleza) e uma AM, e um portal na internet.

A TV Diário entrava nas casas dos espectadores, levando a cultura nordestina com suas características inconfundíveis de irreverência, humor, sensualidade e solidariedade. Para aquele espectador que desejava ficar antenado com os fatos mais importantes do Nordeste, a TV Diário tinha uma equipe de jornalistas ágeis e competentes, responsáveis pela cobertura de uma vasta gama de assuntos, que abrangia desde o esporte, em todas as suas categorias, à ciência e à tecnologia produzidas pelo povo nordestino. Assim, o espectador que assistia à TV Diário tinham, além de divertimento garantido, notícias atualizadas e serviços, como em nenhuma outra emissora do Nordeste.

A relação deste conglomerado de mídia regional com as organizações Globo se deu desde quando a primeira emissora de televisão do grupo, a TV Verdes Mares, tornou-se afiliada da TV Globo. Ao contrário da TV Diário, a TV Verdes Mares tem pouca produção local e transmite durante maior parte da sua programação a grade nacional da Vênus Platinada.

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