Da manipulação a rendição, a Globo e sua cobertura do Carnaval
Meu Deus! Meu Deus! Seu eu chorar não leve a mal Pela luz do candeeiro Liberte o cativeiro social Não
Meu Deus! Meu Deus!
Seu eu chorar não leve a mal
Pela luz do candeeiro
Liberte o cativeiro socialNão sou escravo de nenhum senhor
Meu Paraíso é meu bastião
Meu Tuiuti o quilombo da favela
É sentinela da libertação”
Alguns trechos do samba enredo “Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?” da escola de samba carioca, Paraíso do Tuiuti, que no primeiro dia de desfile das escolas de samba, no sambódromo do Rio de Janeiro, contagiou o público presente e lavou a alma dos brasileiros.
Depois de um grande redemoinho na vida dos brasileiros, com a crise econômica, politica e institucional, provocada pela disputa de poder de grupos políticos e econômicos que levou a derrubada de um presidente, eleito por voto popular, e o retrocesso de reverter as conquistas sociais executada pelo atual presidente interino, tudo estava calmo, indo de acordo com o gosto e objetivos dos que estão a frente dos poderes, seja econômico, político ou midiático.
Para chegar ao golpe parlamentar foi preciso primeiro formar uma base social para dar sentido e sustância ao ato. Esta base foi construída com bombardeios sistemáticos e diários utilizando a mídia tradicional que investia toda sua capacidade em apoio às manifestações sustentadas pelo marketing de marqueteiros de campanha eleitoral, contratados para alimentar a plataforma da união dos maiores conglomerados dos meios de comunicação, para deixar o país do jeito que o grupo político e econômico mais influente do Brasil pretendia.
As manifestações com apoio de empresários crescia pelo país. Em todos estados tinham suas cédulas que investiam financeiramente para orquestrar as mudanças necessárias para o retorno ao cargo majoritário mais desejado do país: a Presidência da República. Pessoas saíram dos seus luxuosos apartamentos e foram para as ruas pedir o impeachment. Paneleiros das varandas dos bairros mais nobres do país ganhavam o horário nobre do Jornal Nacional como se fosse apelo e reivindicação pura da maioria da população, das favelas, dos bairros mais populosos. E foi com esta base de manifestação manipulada pelos poderosos, incluindo seus braços nas mídias, que conseguiram deixar este país desta forma: doente e de olhos voltados ao retrocesso em todos os sentidos.
Em um desfile histórico, a Paraíso do Tuiuti, relembrou todo este momento vivenciado há pouco tempo na história moderna do Brasil. O desfile teve a ousadia e a coragem de fazer uma dura crítica social e política tendo como enredo a escravidão. Servidão que não foi embora. Servidão que persiste seja na manipulação das emissoras de TV, jornais, rádios, internet. Servidão que teima em favorecer o poder em detrimento da maioria. Servidão que dissemina o ódio, o racismo, o preconceito. Servidão que não larga o país pelas leis que não são cumpridas ou pela falta delas que provocam a injustiça e a desigualdade social.
Durante o desfile, em uma transmissão tensa e cheia de omissões e silêncios propositais, a emissora de TV, Rede Globo, tentou diminuir o impacto da apresentação da escola, mas não conseguiu esconder momentos como a ala crítica aos manifestantes manipulados, que ficaram conhecidos como “coxinhas”, representados por fantoches com a camiseta da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), em um pato amarelo e batendo panela que relembrava as manifestações conduzidas pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), além de várias referências à luta pelos direitos trabalhistas (CLT) e o ápice do desfile: um vampiro com a faixa presidencial, que levou à plateia aos gritos de “Fora Temer”.
Ao final, já no estúdio, a emissora cortou o microfone do puxador conforme o canto ganhou força ao vivo, transmitido para milhões de brasileiros. Foi um momento histórico da televisão brasileira em que o feitiço virou contra o feiticeiro. A Globo foi uma das máquinas mais atuantes de manipulação que ajudou a levar o país a este estado de ódio e acirramento político com o intuito apenas de favorecer o grupo político e econômico que pertence e defende: a elite mais tradicional do Brasil.
No dia seguinte os telejornais da Rede Globo desprezaram a apresentação da Paraíso do Tuiuti. O tempo de destaque nos telejornais para escola foi irrisório em comparação com as outras escolas de samba. Enquanto a média de tempo de divulgação para outras escolas, no Jornal Nacional, foi de mais de um minuto, o Tuiuti teve apenas 35 segundos. Tentaram minimizar os efeitos colaterais o quando puderam. Enquanto o silêncio invadia a redação dos telejornais da Rede Globo as redes sociais comentavam e publicavam cada passo mal conduzido pela detentora do “maior espetáculo da terra; o carnaval carioca”. No Twitter chegou a ser o segundo assunto mais comentado no mundo. Pauta que ganhou a blogosfera, facebook e sites.
Para se redimir com seu público, render-se a força das redes sociais, a Rede Globo demorou 12 horas para perceber que o vampiro retratado no desfile era, de fato, o presidente Temer. O Jornal Nacional da terça-feira (13/2) abordou a temática dos protestos nos desfiles do carnaval deste ano. Quando falou da escola de samba do Tuiuti a Globo falou do bloco dos “manifantoches” e com ironia da “mão dos poderosos que manipulava a população”. No entanto, a emissora esqueceu-se de dizer que era o braço desta mão do poder que orquestrada a manipulação dos poderosos.
Foram incríveis 12 horas para reconhecer que o vampiro na verdade se retratava o presidente Temer. De uma cobertura ao vivo do desfile em que os apresentadores não citaram sequer os protestos no decorrer da exibição da escola ao reconhecimento público de parte da manifestação escancarada pela Paraíso do Tuiuti. Trata-se de um dos maiores tempo de atraso de uma matéria que uma emissora de TV brasileira já teve (“delay é o termo técnico usado para designar o retardo de sinais em circuitos eletrônicos, geralmente o atraso de som nas transmissões”).
No carnaval de 2018, ano de eleições, os foliões não esqueceram dos problemas do Brasil. Mesmo sem dinheiro para bancar a festa, mesmo diante dificuldades de todas as espécies, o desfile das escolas se mostra como um grande espaço da cultura nacional que vence até mesmo o preconceito religioso imposta pelo prefeito do Rio, Marcelo Crivela, e retrata sem medo a realidade de um país mascarado por aqueles que deveriam noticiar e não fantasiar. A festa deu motivo para o país dar um grito de basta nos golpes e em todas suas artimanhas para se conquistar o poder.