A voz de Maria das Graças Mesquita, de 74 anos, carrega um misto de alívio e expectativa. Nesta sexta-feira, ela segurou em mãos um documento que simboliza muito mais do que um pedaço de papel plastificado. O Registro Geral (RG), emitido na sede da Defensoria Pública do Estado do Ceará, em Fortaleza, representa um recomeço após mais de quatro décadas vivendo em situação de rua.

Natural de Tapuio, distrito de Cariré, no interior do Ceará, Maria chegou a Fortaleza ainda jovem para trabalhar como empregada doméstica. “Vim pra trabalhar nas casas de famílias ricas. Fazia de tudo, na cozinha. Sou uma pessoa direita, honesta, não sou ladrona e nem assaltante. Do jeito que nasci ainda sou”, conta.

Com o tempo, porém, a vida tomou outros rumos. Na rua, sofreu com a violência e teve seus documentos levados. “Na cidade tem muito isso de roubo, né? E eu na rua, as pessoas mais baixas levaram meus documentos”, lembra.

Sem filhos e sem qualquer familiar próximo, Maria passou boa parte da vida nas proximidades da Avenida Beira Mar, em Fortaleza. Sobreviveu como pôde, enfrentou o abandono, a fome e a insegurança. O tempo cobrou seu preço: em meio a tantos anos de luta, perdeu a visão. Não sabe dizer exatamente quando, nem como aconteceu. “Só sei que um dia fui percebendo que a vista tava sumindo”, conta, com o olhar distante.

Foi no ano passado que a vida de Maria tomou um novo rumo. Um grupo de mulheres, corredoras e participantes de uma assessoria esportiva na avenida Beira Mar, notou sua presença constante na orla e decidiu ajudá-la. Com o apoio delas, encontrou abrigo no Centro de Recuperação Maanaim, um projeto social que há 25 anos acolhe pessoas em situação de vulnerabilidade. No Ceará, a unidade funciona em Aquiraz e hoje acolhe cerca de 60 pessoas.

Ao ser acolhida, a equipe do Maanaim percebeu que Maria não tinha nenhum documento. Era como se ela não existisse formalmente. “Ela não tinha nada. Fomos atrás da Defensoria Pública para conseguir esse atendimento. Foi todo um processo, mas graças a Deus conseguimos”, relata Magno Marques, um dos coordenadores do projeto.

A esperança, que parecia perdida ao longo dos anos, se refaz a cada nova conquista. Mais do que um nome registrado no papel, Maria das Graças voltou a ser reconhecida como cidadã com o auxílio da Defensoria.

“Aqui temos acesso à Central de Informações de Registro Civil das Pessoas Naturais (CRC Jud). É um sistema que nos permite realizar buscas de registros de nascimentos, casamentos e óbitos, solicitar certidões eletrônicas do Registro Civil diretamente nos módulos da Central de Informações do Registro Civil, além de enviar mandados eletrônicos para cumprimento nos cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais, de forma gratuita. Foi assim que conseguimos o registro de nascimento de dona Maria e assim que recebemos, iniciamos os procedimentos para a emissão do RG. Tudo foi muito rápido e um mês depois o documento chegou”, pontua o coordenador da Central das Defensorias da Capital (CDC), defensor Manfredo Rommel Cândido Maciel.

Agora, com o RG nas mãos, ela vê possibilidades onde antes só havia incerteza. “Agora tô com documento, né? Espero coisa boa pra mim.”

O serviço – Em novembro, a Defensoria Pública inaugurou um polo de atendimento para expedição da Carteira de Identidade Civil na sede da instituição , em Fortaleza. O espaço fica dentro do Núcleo de Atendimento e Petição Inicial da instituição, no bairro Luciano Cavalcante, e visa ampliar os serviços ofertados pela instituição, facilitando a vida de quem procura o órgão.

No primeiro momento, em período de testes, foram emitidos apenas os documentos do público interno. Agora, a população vulnerabilizada pode acionar o serviço depois que passar pelo acompanhamento das triagens, que, ao identificarem que o assistido não possui identidade ou precisa de uma nova em razão do tempo, por exemplo, deverá encaminhar para emissão de identidade no local.