Único hospital psiquiátrico do sistema prisional é fechado após 56 anos de operação; Defensoria integra comitê

“As coisas não são ultrapassadas tão facilmente.
São transformadas.”
Nise da Silveira, médica psiquiátrica brasileira que revolucionou o tratamento psiquiátrico no Brasil

Por jangada.online em

9 de outubro de 2024 às 14:37
Foto: divulgação

Única unidade prisional cearense destinada à internação de pessoas em sofrimento mental que cometeram algum ato ilícito, o Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes (IPGSG) está oficialmente interditado. O prédio funcionava no km 17 da BR-116, em Itaitinga, na Região Metropolitana de Fortaleza, desde 1968. Foi criado, portanto, em plena ditadura cívico-militar e fechado após 56 anos de operação, em portaria publicada no Diário da Justiça no fim da tarde dessa terça-feira (1º/10). Todos os 32 internos foram transferidos.

A decisão decorre da atuação do Comitê Estadual Interinstitucional de Monitoramento da Política Antimanicomial (Ceimpa), do qual a Defensoria Pública do Ceará (DPCE) faz parte. A política antimanicomial brasileira foi instituída em abril de 2001 e tem pautado debates importantes sobre o assunto em todo o país. O fechamento do IPGSG ocorre, então, mais de 23 anos depois da criação da Lei Federal nº 10.216.

Em janeiro de 2023, durante inspeção da DPCE, a unidade contabilizava 117 internos. Os 32 que permaneceram até a interdição de agora, após um ano e oito meses da visita, foram transferidos para serviços de residência terapêutica ou para leitos hospitalares, sobretudo do Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto, no bairro Messejana, em Fortaleza.

A interdição do IPGSG, avalia Luiza Nivea, também deu-se em função da Resolução nº 487 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), editada em 2023 criando mecanismos que possibilitam o cumprimento da política antimanicomial. “Essa resolução não cria uma nova lei. Ela dá uma data para o fechamento e, assim, reforça nosso trabalho, feito a partir de uma política que já vinha sendo estudada”, acrescenta a defensora pública.

 

PERFIL DOS REMANESCENTES

Os 32 internos que permaneceram no IPGSG até o fechamento tinham entre 29 anos e 73 anos. Eram todos do sexo masculino (porque a unidade abrigava apenas homens) e vinham de 24 municípios diferentes: Caucaia (3), Crato (3), Sobral (2), Fortaleza (2), Itapajé (2), Ipu (2), Porteiras (1), Uruoca (1), Icó (1), Acarape (1), Paraíba (1), Maranguape (1), Tauá (1), Limoeiro do Norte (1), Alto Santo (1), Cascavel (1), Barro (1), Itapipoca (1), Tabuleiro do Norte (1), Santa Quitéria (1), Varjota (1), Milagres (1), Campos Sales (1) e Catarina (1).

“A unidade tinha pessoas com alvará de soltura e que estavam lá por não terem pra onde ir. O trabalho começou com essas pessoas, mas na maioria delas, a família não quis receber. Das que ainda estavam cumprindo medida de segurança e não eram moradoras de longos anos, voltou pros seios familiares. E as que estão em leitos hospitalares e por precisarem de tratamentos mais específicos, mas também sairão e ficarão no tratamento ambulatorial tão logo se regulem e sejam estabelecidos locais onde possam viver”, elucida a defensora Luiza Nivea.

Enquanto estiveram na unidade, essas pessoas foram assistidas juridicamente pela DPCE. Por conta da parceria da instituição com as secretarias estaduais da Saúde (Sesa) e da Administração Penitenciária (SAP), os internos tiveram garantidas a emissão de certidões de nascimento e carteiras de identidade, além das solicitações para receberem o Benefício de Prestação Continuada (BPC), concedido pelo Governo Federal a quem tem a partir de 65 anos, é pessoa com deficiência ou tem impedimento de longo prazo, e está em situação de vulnerabilidade social.

O subdefensor geral Leandro Bessa explica o porquê de todas essas atuações serem necessárias. “Essas pessoas não têm consciência do ato ilícito que praticaram e, por isso, não são consideradas presos comuns. Quando a medida de segurança é extinta, começam os problemas. A saída dessas pessoas da ‘institucionalização’, em regra, com os vínculos familiares rompidos, fica comprometida, sobretudo, pela ausência de vagas na rede de amparo. Por isso, o acompanhamento da Defensoria é fundamental”, pontua.

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