A liberdade saqueada dos frangos

Na manhã do sábado, 25, um caminhão com carga de frangos tombou na BR 222, proximidades da Sede da Aço Cearense, em Caucaia. Em minutos a carga era saqueada por populares que passavam no momento do acidente. Leia abaixo a crônica do jornalista Tiago Viana.

Por jangada.online em

26 de julho de 2020 às 15:12 atualizado às 15:31
FOTO: reprodução.

 

 

De cima do caminhão o vento passava rápido. Na estrada o veículo carregava uma carga de frangos que seguia pela BR 222.

Estávamos juntas. Todas aglomeradas em caixas, sem vírus, apenas a espera do abate. Seguíamos sobre o sol da Caucaia pelas retas e curvas da estrada. Na rotatória o nosso mundo virou. Caiamos de cima do caminhão em segundos. Não deu nem para ver se o vento soprou, o transporte derrapou, e ao final da pancada ficou com as rodas para o alto.

Algumas de nós não resistiram a queda e perderam a vida antes do dia do abate. Outras fugiram aos matos, sem destino, mas com liberdade. Eu, e a maioria das aves, ficamos presas nas caixas que se amontoavam jogadas em cima da pista.

O silêncio da via era interrompido pelos carros parando. As pessoas iam descendo dos seus veículos, chegando próximo ao caminhão e também se aglomerando. Em vez de salvarem o motorista olharam para um lado, e para o outro, e avançaram sobre os caixotes e começaram a nós pegar.

As penas voavam na mesma velocidade do avanço das pessoas. Uns corriam e nós arrastávamos pela cabeça. Outros pelas pernas. Fui pega pelas asas. Tentei ainda correr para liberdade. Não consegui. E mais gente descia dos carros e com agilidade do egoísmo nos levavam. Saiam correndo com as penas nas mãos e o vazio na consciência.

O motorista ainda estava tonto da pancada. As pessoas? Brigando por nós. Os mesmos que enchem a boca para cobrar justiça e condenar de ladrão os políticos, juízes e afins. No chão não sobrou uma galinha para contar ao policial como tinha sido o acidente. De mão em mão depenaram a carga inteira.

Depois de entrar numa camioneta fui parar na Serra da Meruoca. No caminho vi muitas de nós já sem vida, na panela, fazendo a festa da garotada. Eu? Fiquei aqui, no quintal do seu Dedê que me recebeu do seu Jasmim, prefeito da cidade de “Galiometro”, que antes me recebeu de presente do João, homem que diziam ser de fé e cidadão de bem, que estava passando bem na hora onde tudo começou.

 

 

Twitter: @tiagoviana   

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