Coreto da solidão: no tom das cores da história
Daqui vejo o mundo passar e eu ficar. Quieto no meio da praça. Ouço um pouco de tudo. A cidade passa todos os dias aqui. Daqui só não vejo um concerto de música fazendo carinho em mim. Escuto sirenes de carro desesperados. Buzinas da pressa acelerada no asfalto. Já fui quase destruído no passado. Já fui reformado e me deixaram deformado. Estava mais uma vez esquecido entre o monumento do Cruzeiro e, lá de cima, o sino que acorda a vizinha estressada.
E agora? Estou todo verde e laranja, laranja e verde. Cores que causam uma confusão na minha cabeça. Já basta a instalação do granito no passado.
Ao passar do tempo perdi minha originalidade. Foram tantas histórias que já testemunhei. Brigas, romances, vitórias e derrotas. Pela praça passa gente apressada, gente calma. Mulheres que lutam pelos direitos. Moços que articulam para retirar as leis. Crianças que se divertem subindo e descendo os degraus, agora todo verde e laranja. E ainda tem os idosos que lembram da época que era plena. E os homens que não respeitaram a história de um tempo que deveria ser preservado.
Em vez de orquestras, escuto tiros, gritos de socorro e recebo até pichações. Alguns urinam outros fazem as necessidades. Não respeitam a igreja e nem meu corpo cheio de histórias para contar. Daqui vejo passar crianças sem futuro, adultos com sonhos mortos, idosos ainda com esperança. Passa crente, descrente, pecador e até santos. Todos com passos que hora balança o chão, hora a leveza parece subir na torre da catedral para encontrar o som dos sinos abafados pelo ruídos crucificados dos veículos.
Do dia para noite aprontaram minha cor. De verde tentaram encobrir minhas mágoas. De laranja minha dor. Verde que traz rancor. Laranja que espreme a minha flor. No silêncio da praça ainda tenho esperança dos concertos musicais ocuparem minha alma. Ser útil, e abrigar músicos, festa da padroeira, banda e orquestras. E não apenas tintas ou cores.
Mas, que verde é este que me traz tristeza, depressão, desesperança e prisão? Que laranja é esta que me faz sentir frio, desprezo e solidão? No meio da praça da Matriz passo os dias a espera de um poeta. No aguardo das melodias de instrumentos que toquem a canção e sensibilize o cidadão a preservar com gratidão cada centímetro da história contada pelo patrimônio erguido no tempo passado. Nem uma cor a mais que tire a originalidade. Nem uma cor a menos que faça apagar a memória dos povos da Caucaia.