Neto de Patativa do Assaré faz poesia e lança livro

“A poesia. Eu sei que eu nasci com o dom de fazer poesia, foi Deus que me deu. Mas a linguagem patativana, a linguagem do poeta, é o maior legado”

Por jangada.online em

12 de maio de 2019 às 11:06
O poeta Daniel Assaré durante palestra do IFCE. FOTO: IFCE.

Na última quinta-feira (09/5) o auditório do campus do Instituto Federal do Ceará (IFCE) de Tauá foi cenário para o lançamento do livro “Ser Tão Sertão”, de Daniel Gonçalves, neto do poeta Patativa do Assaré.

O livro “Ser Tão Sertão” é uma compilação de cerca de 60 poemas e cordéis que Daniel Gonçalves produziu nos últimos cinco anos. Embora a escrita literária seja praticada por ele desde a infância, a partir de orientações do avô e leituras de obras clássicas da poesia, como “Tratado de Versificação”, do parnasiano Olavo Bilac.

De acordo com Daniel, “Ser Tão Sertão” dá continuidade à linhagem patativana e reúne textos de linguagem simples que surgiram a partir de suas vivências e experiências. “O livro fala sobre a vida do sertanejo, sobre injustiças que sofremos e, em muitos momentos, sobre as saudades que sentimos”, explica.

Daniel Gonçalves, neto do poeta cearense Patativa do Assaré. Herdeiro do ofício do avô. “Eu respeito todos os escritores que falaram do meu sertão, mas Patativa do Assaré escreveu o que ele viveu, só o que ele sabia”, diz.

 

Confira entrevista com o poeta Daniel Gonçalves:

Você começou a fazer poesia com quantos anos?

Com oito anos de idade.

 

Seu avô chegou a ouvir algo que você escreveu?

Ouviu. Ele chamou minha atenção umas duas vezes porque eu tinha o hábito de colocar no cordel, por exemplo, uma coisa engraçada no meio e outra no final. Ele dizia “Olha, tu tem que dar um desfecho só, tu tá dando dois”. E ele não tinha essa questão de dizer “Refaz esse verso ou refaz aquela estrofe”. Não. Era “Refaz o poema todo. Pode usar a ideia, mas refaz o poema todo”.

Então, ele chegou a dar uma orientação nesse sentido…

De métrica mesmo eu não aprendi com ele. Eu vim aprender já depois com os mesmos livros que ele leu, como Tratado de Versificação, de Olavo Bilac, que é um dos parnasianos. Olavo Bilac era terrível na sua linguagem, e ele leu, compreendeu e viu que nada era estranho pra ele. É um livro que eu compreendi também.

 

Como era o Patativa avô?

Simples, humilde. Era muito apegado. Rígido também. Ele colocava seus limites. Eu lembro de quando eu era criança, tinha muitas regras que minha mãe tinha herdado dele. Não podia dizer palavrão, não podia gritar… E a gente foi crescendo nesse sentido e acima de tudo sendo apegado e amoroso com a família.

 

Qual é o principal legado que ele deixou para você?

A poesia. Eu sei que eu nasci com o dom de fazer poesia, foi Deus que me deu. Mas a linguagem patativana, a linguagem do poeta, é o maior legado. Eu vejo A Triste Partida, Ingém de Ferro, Mãe Preta, A Morte de Nanã e penso “Meu Deus, esse gênio tão grande é meu avô”. Às vezes, é como se a ficha não tivesse caído. E o legado maior é esse, é a poesia, é o nome de uma cultura, porque a gente defender uma cultura é interessante. Você pode defender com a música, que entra fácil. Se tiver um balanço legal, qualquer música entra. E a poesia? O músico, ele lança uma música, solta na internet hoje e, se ela for legal, todo mundo baixa. O poeta, não. Ele tem que fazer a poesia, publicar um livro, correr atrás, dar uma palestra, divulgar, soltar pros amigos e, se a poesia for boa, ela pega. Então, é muito difícil. E Patativa do Assaré ensinou que tudo é possível. Ele pegou uma época extremamente mais difícil que a minha. Hoje, uma criança de dez anos de idade tem um celular no bolso. O meio de comunicação que ele tinha era o rádio e nada mais. Então, esse legado é a poesia e a perseverança de nunca desistir.

 

Você é autodidata no estudo de poesia?

Que Deus me perdoe. Que vocês, universitários, me perdoem. Mas, se vocês soubessem os livros certos pra ler e a forma certa de aprender, a universidade ia servir só pra imprimir diploma. Pra um poeta, é isso. Descubra o livro certo que vai te ensinar a metrificar, que, se tu tem inspiração e a métrica, acabou, tu não precisa ir mais na faculdade. Poeta não tem faculdade e nem faz muita questão disso. Eu vejo doutores universitários que tentam escrever um soneto e não conseguem, e nós, poetas, conseguimos fazer tudo metrificado, e muitos nunca nem colocaram o pé na escola, como ele mesmo (Patativa), que colocou cinco meses só.

 

Sobre o que você acha que o Patativa escreveria se estivesse vivo hoje?

Ele iria escrever sobre sertão, mas com uma visão diferente. Se você for analisar o período em que ele viveu, ele escrevia de acordo com o que ele vivia. Com certeza ele ia falar da tecnologia que suga a gente, da cegueira que a gente vive no mundo de hoje, que a gente é tão fissurado em ganhar dinheiro e esquece muitas vezes de viver. Quando eu comecei a escrever meu livro, eu escrevia o que estava vivendo naquele momento e pensei “Eu não posso escrever sobre uma seca do passado, sendo que eu não estou vivendo ela hoje. Não posso escrever sobre o nordestino que migra, se ele quase não migra hoje”. Em algumas vezes, eu escrevi exatamente o que a gente vive nos dias de hoje. Em um dos meus poemas, Morrendo aos poucos, eu falo disso. A gente vive querendo, um dia, juntar uma fortuna pra viver, aí no final da vida tudo que a gente juntou a gente gasta de novo pra recuperar o que a gente perdeu tentando juntar.

 

*Com informações do IFCE

Capa do livro “Ser tão Sertão” do poeta Daniel Assaré. Imagens: divulgação.

Ser tão Sertão
Poeta Daniel
2019, 180 páginas
R$ 40,00

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