Povos indígenas têm atendimento médico e alimentação precários
A pandemia do novo coronavírus evidenciou negligências históricas aos povos indígenas do Ceará, presentes em 20 municípios, segundo a Secretaria de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS) do Estado. Atendimento médico precário, dificuldade no acesso à comida e água são gargalos enfrentados por uma população que chega a 35,7 mil pessoas.
Para Neto Pitaguary, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena do Estado, a cobertura médica é o principal desafio. Ele avalia que existe uma limitação na força de trabalho que ficou ainda mais evidente com a pandemia. “A gente tem uma fragilidade. Hoje, o que temos não é suficiente para atender a população. A gente precisaria de mais profissionais”, ressalta.
O Ceará conta com apenas cinco profissionais do Programa Mais Médicos (PMM) que atuam no Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) local, unidade gestora do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS). Dos estados do Nordeste com Distritos, é o que tem o menor número de profissionais do PMM, ficando atrás do Maranhão (19), Bahia (18), Pernambuco (13), Paraíba (8), Alagoas e Sergipe (7). Piauí e Rio Grande do Norte não possuem DSEIs, segundo o Mapa de Atuação do Programa Mais Médicos.
Unidades Básicas
Conforme dados do Dsei Ceará, o Estado possui 26 Unidades Básicas de Saúde Indígena (UBSI) e nove pólos bases de saúde. Esse reduzido número é responsável pela atenção primária de 104 aldeias cearenses. “Com a pandemia, cada pólo base ficou responsável por criar o plano de contingência com base nas orientações da OMS, do Estado e da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena)”, explica Neto Pitaguary. Além disso, o Ceará tem duas Coordenações Técnicas Locais, localizadas nos municípios de Itarema e Crateús.
Weibe Tapeba, advogado e liderança indígena do Povo Tabepa, em Caucaia, avalia que esses números – de médicos e UBSIs – é insuficiente para preencher a demanda no Estado. “Aqui, na Lagoa dos Tapeba, a UBSI atende a quatro comunidades. O único médico que tínhamos do Mais Médicos foi embora”, lamenta. “Além da contratação de profissionais, é necessário termos a construção de mais unidades de atendimento, assim como a ampliação da frota de veículos para as equipes e para os casos de urgência nas comunidades e a valorização da medicina tradicional”.
A maior parte dos profissionais da atenção básica indígena no Ceará são conveniados, ligados ao Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP). Até abril de 2019, o Instituto operava com 292 profissionais. A reportagem tentou contato com o IMIP e Sesai para saber se houve atualização do número. O Instituto informou, em nota, que qualquer informação sobre o assunto deve ser solicitada ao setor de comunicação da Sesai. O órgão, por sua vez, não respondeu aos questionamentos.
Para Weibe Tapeba, a mudança de direção na Secretaria Especial de Saúde Indígena, em Brasília, realizada em 2019, gerou alteração no critério de definição das coordenações estaduais e dificultou a atuação nos municípios.
“Acabou gerando, ao meu ver, uma certa descontinuidade nos serviços e prejudicando algumas áreas”, explica. “Por exemplo, há uma decisão de não contratar mais profissionais. Isso prejudica regiões em que a demanda está sufocada. Assim como não há nenhuma perspectiva de construções de UBSIs novas, sendo que a maioria dos locais onde os atendimentos são realizados é adaptada”. Pitaguary concorda com a avaliação de Weibe Tapeba e reafirma que cinco profissionais do Mais Médicos, cerca de 300 ligados ao Imip e apenas 26 UBSIs são insuficientes para um contingente tão grande de indígenas no Ceará.
Realidade preocupante
Na comunidade de Retiro, zona rural de Iguatu, onde vive o povo Kariri-Quixelô, as 15 famílias residentes no local não contam com posto de saúde ou UBS. Segundo o cacique Eduardo Kariri-Quixelô, os cerca de 50 moradores são atendidos por um médico, cedido pelo Município, que se desloca ao local uma vez por mês. “Infelizmente, não estamos recebendo mais nem essa visita médica. Está com mais de dois meses que o povo não é atendido”, relata.
Sem acesso aos serviços básicos de saúde, a comunidade era obrigada a se deslocar ao Centro da cidade de Iguatu, a cerca de 19 km de distância. Porém, com as recomendações da OMS de evitar sair de casa, esse deslocamento também ficou impedido.
*Via Diário do Nordeste