Da erosão na Praia do Icaraí ao laboratório de monitoramento costeiro, conversamos com o mestre Davis Pereira

Num bate papo bem descontraído e produtivo, conversamos com um dos maiores especialista e estudiosos no Brasil para entender e

Por jangada.online em

22 de fevereiro de 2018 às 01:42
Professor Davis Pereira de Paula é uma das maiores estudiosos do Brasil em monitoramento do litoral. FOTO: TFVJangada.

Num bate papo bem descontraído e produtivo, conversamos com um dos maiores especialista e estudiosos no Brasil para entender e saber mais sobre o processo de erosão marinha diagnosticado no litoral de Caucaia (CE), em especial na Praia do Icaraí. Davis Pereira de Paula é bacharel (2003) e licenciado (2004) em Geografia pela Universidade Estadual do Ceará – UECE. Mestre (2006) pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da UECE com área de concentração em Análise Geoambiental e Ordenação do território nas regiões semiáridas e litorâneas. Doutor (2012) em Ciências do Mar, da Terra e do Ambiente, Ramo Ciências do Mar, especialidade em Gestão Costeira pela Universidade do Algarve, Portugal. Foi professor do curso de Engenharia Civil da Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA, no período de abr/13 à mar/16. Atualmente é professor da Universidade Estadual do Ceará, coordenador dos cursos de Geografia e professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UECE. Também é professor colaborador do Mestrado Acadêmico em Geografia – MAG da UVA. Atua como pesquisador do Laboratório de Geologia e Geomorfologia Costeira e Oceânica da Universidade Estadual do Ceará. Tem experiência na área de Geociências, com ênfase em Gestão Costeira e dinâmica de eventos extremos de onda, atuando principalmente nos seguintes temas: História ambiental, Interação Homem-Meio, Ressacas do Mar, Gestão de Ambientes Costeiros e Impactos Socioambientais em Comunidades Litorâneas. Atualmente é coordenador brasileiro da Rede Braspor, que trata-se de uma rede informal de cientistas do Brasil e de Portugal que se dedicam a estudar os ambientes costeiros e suas sinergias.

 

J.O – O que provoca a erosão no litoral de Caucaia?

Professor Davis. Basicamente Caucaia tem um conjunto de fatores associados que provoca erosão. A erosão é provocada pelo défice de areia. Mas, o que provoca o défice de areia? Primeiro, as construções de estruturas, como existem em Fortaleza, que debilitam o sistema de uma forma geral. Segundo, a degradação dos sistemas ambientais como dunas e manguezais, em especial ao Rio Ceará, que seria basicamente o principal fornecedor de areia para as praias de Caucaia. Mas, o Rio Ceará está totalmente sacrificado, ou seja, a areia não transita pelo rio, não chega à zona costeira e automaticamente não é transportada para Caucaia. Depois poderá ter algo, ainda não temos dados específicos, que seria a própria elevação do nível mar. O mar está subindo a partir das indicações antrópicas do que está acontecendo em nosso planeta. Mas, não temos informações que possam subsidiar esta questão. E depois o próprio homem atuando em todas as suas áreas. Seja na área da construção civil, degradando as dunas frontais, construindo em áreas muito vulneráveis, impedindo o repasse de areia entre os sistemas, tudo isso leva a debilitação do sistema de transporte sedimentar.

 

J.O – O problema o maior problema da Praia do Icaraí? 

Professor Davis. O grande problema do Icaraí é que não chega areia. Há um défice muito grande de areia no Icaraí. Isso passa a ter um pior cenário quando pesamos posteriormente em mudanças climáticas. O Estado do Ceará passou agora por um período de mais de cinco anos de seca. Seca significa que não chove muito. Não chovendo muito, não existe muita água transitando pelos rios. Sem a água transitando pelos rios automaticamente a areia que vem do continente e deveria seguir em direção as praias, não chega. Então automaticamente vai piorando o cenário de erosão costeira em panoramas de escassez hídrica, como a que aconteceu no estado do Ceará. Somado tudo isso, o Icaraí já tem uma deficiência sedimentar que aliado a outra situação tornou o problema quase que emergencial para aquela região.

 

J.O – As obras na orla de Fortaleza influenciam na degradação do litoral caucaiense? 

Professor Davis. As obras na capital começaram a ser construída na década de 30 chegando até inicio da década de 70. Estamos falando do trecho entre o Porto do Mucuripe e o Rio Ceará, especialmente falando da região do Icaraí a região da Barra do Ceará e seus espigões trazem para corrente natural um défice de areia, porque eles aprisionam a areia entre os espigões, já que é a função deles. Estão exercendo a função para qual foram construídos. Entretanto, automaticamente esta areia não transita mais em direção para Caucaia. Ou seja, transita em pouca quantidade. Aliado a isso existe o próprio Rio Ceará que perdeu muita capacidade. Caso observe, o rio tem na sua desembocadura uma imensa banca de areia. Esta areia toda deveria ter entrado na corrente e ter sido transportada em direção as praias de Caucaia. O sistema sedimentar de Caucaia tem um défice muito grande e o défice é traduzido em erosão costeira que é o recuo da linha de costa com destruição do patrimônio edificado do litoral de Caucaia.

 

J.O – A ocupação desordenadas dunas de Caucaia causa a erosão marítima?

Professor Davis. Sim. As dunas frontais que são as dunas que já ficam ali no limite entre a maré alta basicamente e o inicio da urbanização tem um trecho ali com um pouco mais elevado de areia acumulada. Estas são as dunas frontais. Elas constituem a primeira proteção do próprio continente. Ou seja, a onda vem e em vez de dissipar a energia numa casa, dissipa energia numa duna frontal. A duna frontal pode ser erodida, mas esta areia vai recapear a praia. Posteriormente quando a areia ficar seca ela é transportada e forma novamente a duna frontal. Desta forma elas vão auxiliar na proteção do próprio ambiente. Mas, se pegarmos a região do Icaraí, por exemplo, boa parte das dunas frontais foram totalmente degradadas pelas construções civis. Já que precisam construir o alicerce das obras. Desta forma é preciso cavar e retirar as dunas. Automaticamente o nível do território fica mais rebaixado e a proteção que existia é retirada. O local se torna mais vulnerável a ação de uma onda ou ação energética do próprio mar de uma forma geral.

Professor Davis Pereira de Paula durante a apresentação do Monitoramento Costeiro de Caucaia para vice-prefeita Lívia Arruda, o secretário de Infraestrutura Kleber Correia e técnicos da Prefeitura de Caucaia. FOTO: TFVJangada.

J.O – Como surgiu o Monitoramento Costeiro de Caucaia?

Professor Davis. Esta foi uma proposta que surgiu de uma reunião com o próprio prefeito há alguns meses atrás onde apresentamos para Prefeitura um projeto que já vem sendo desenvolvido pela UECE há seis anos e coordenado por mim. O prefeito se interessou pelos dados apresentados e colocamos que o projeto tinha sido encerrado, era um projeto financiado pelo CNPQ e que a partir daquele momento não teríamos mais os recursos para desenvolver o projeto. Surgiu a possibilidade de uma parceria com a Prefeitura e nós apresentamos um plano de monitoramento para a gestão municipal. Seria o MOC Caucaia – Monitoramento Costeiro de Caucaia. O monitoramento costeiro é uma ferramenta do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro em que os municípios devem implementar para conhecer um pouco mais da dinâmica do seu litoral. Caucaia passa por diversos problemas ambientais. Dentre eles a erosão costeira. Especialmente hoje falando a Praia do Icaraí, é que vem repercutindo mais. Esta praia precisa ter um melhor conhecimento por parte dos gestores público para que ele possa tomar a melhor decisão. E o que seria esta melhor decisão? Instalar uma obra? Reconstruir uma obra que já existe como o bag wall? Executar um novo projeto naquela região? Fazer ordenamento das atividades econômicas que existem? Desta forma o monitoramento costeiro gera informações para que o gestor tome decisões que possibilite um arranjo produtivo melhor na região. O monitoramento costeiro no final não vai te dizer que a obra que deve ser construída no Icaraí é a seguinte, ele não tem este viés, mas os dados te ajudam a ter um melhor direcionamento para escolha da melhor proposta. Falando de Icaraí nós temos mais de dez anos de erosão. Merece um estudo como este que tem a proposta de dois anos. É um estudo que se baseia com técnicas modernas como o “vídeo margeamento” que vai propiciar uma análise ambiental muito melhor e detalhada. Possibilitando também um treinamento do pessoal da Defesa Civil de Caucaia, do Instituto do Meio Ambiente do Município de Caucaia (Imac), para que eles também possam atuar e possam ser capacitados. O monitoramento ambiental também permite posteriormente que o município possa executar outras atividades na sua orla e que estas atividades estejam em consonância com a capacidade que o ambiente tem de suportar uma atividade ou também fazer o contrário retirar atividade de uma área em que o ambiente não tem condição de propiciar uma boa resiliência, ou seja, capacidade de absorver o impacto. Caso não tenha capacidade é necessário retirar, para ordenar, e colocar numa área que tenha uma melhor condição. Não permitir, por exemplo, que sejam feitas edificações em áreas que não sejam propicias, que são muitos vulneráveis, por exemplo. Podemos gerar um mapa de vulnerabilidade que identifica estes trechos. Conservar as dunas frontais. As dunas frontais constitui o melhor sistema de proteção de um ambiente. Mas, existem dunas frontais basicamente da Tabuba até o Cumbuco, então fazer um projeto que possa segurar as dunas, conservar ou preserva-las e estas dunas possam exercer a função de combate a própria erosão costeira nestes dois distritos: Cumbuco e Tabuba. E a partir dai não teríamos investimentos, por exemplo, em pedras. Teríamos um litoral bonito, de boa qualidade e atrativo tanto para o morador local como para o veranista e para o turista. É possível conseguir um leque com opções a partir do monitoramento costeiro.

 

J.O – Qual a solução para erosão na Praia do Icaraí?  

Professor Davis. A erosão do Icaraí tem muito haver com a energia do sistema. Você tem uma costa aberta onde as ondas dissipam energia diretamente na praia. Caso diminua um pouco esta energia da onda o ambiente já torna mais calmo e um ambiente propicio a sedimentação se houver areia. Para isso é preciso estudar para saber se tem areia transitando. Se não tiver areia não vai funcionar tanto, mas se já tiver alguma areia transitando se conseguir diminuir as energias das ondas poderá ser provocado um acumulo de areia na praia. A praia acumulando areia, ela mesmo passa a se proteger. Isso é uma realidade. Outra realidade é existir outras estruturas, mas estas estruturas precisam ser melhores pensadas porque podem transferir o problema. Por exemplo, poderíamos colocar uma bateria de espigões na frente do Icaraí, como muitos já pediram, só que os espigões trazem o mesmo problema que aconteceu com Fortaleza. protege onde ele está, isso realmente ele protege, porque gera acumulo areia ali, só que ele debilita o transporte de areia em direção a praia seguinte que seria Tabuba e pode ser que a Tabuba sofra mais com a erosão. E a partir dai vire um grande bloco de neve e isso vá cair até chegar a Praia do Cumbuco. Então é preciso medir bem o que se quer. O custo, o beneficio e a eficiência. Muito se fala em custo e beneficio e esquecem a eficiência. Você tem que saber como será a eficiência do sistema a ser implementado. Para isso é preciso um trabalho muito forte de modelagem. Seja modelagem computacional, matemática, seja modelagem física, você tem que associar os dois. Qualquer projeto que seja contratado pela Prefeitura de Caucaia para ser executado ele deve levar em consideração a modelagem ambiental. Sabemos que tem um custo? Sabemos. Mas, este custo é irrisório quando você observa a eficiência que se pode trazer para sua obra em longo prazo.

 

O grande problema do Icaraí é que não chega areia” Davis Pereira de Paula 

 

J.O – O Porto do Pecém serve de exemplo de modelagem para o litoral de Caucaia?

Professor Davis. O Porto do Pecém é um porto inteligente que passou por todos estes processos de modelagem até chegar a um sistema mais equilibrado. Este sistema mais equilibrado trouxe aquela região uma modificação, uma praia antes que sofria muita erosão, que era a praia do Pecém, onde o mar jogava diretamente nas casas e hoje temos uma centena de metros de areia na frente. Ou seja, as ondas não conseguem mais atingir aquelas casas. Ouve uma recuperação. Esta recuperação é propiciada justamente pelo quebra-mar do porto que provoca uma sombra, diminui a energia de onda e a areia começa a sedimentar. Já te dar uma ideia de diminuição de energia de onda naquela região e uma formação de zona de calmaria na sombra do quebra-mar do Porto do Pecém.

 

J.O – Com relação monitoramento do litoral de Caucaia já tem alguma data de inicio das atividades?

Professor Davis. Fizemos a apresentação da proposta para a gestão municipal que esta realizando uma análise e vão tentar observar qual a viabilidade para Prefeitura de Caucaia instalar o monitoramento costeiro. A Universidade Estadual do Ceará está a disposição para realizar os estudos necessários e se tornar um parceiro da Prefeitura de Caucaia para o desenvolvimento do Monitoramento Costeiro de Caucaia (MOC).

 

J.O – Qual a previsão de duração deste monitoramento?

Professor Davis. Este monitoramento tem a previsão de durar 24 meses, que é a proposta da UECE. Após os 24 meses é realizado uma grande oficina onde são apresentados os resultados e a partir dai a Prefeitura poderá estender ou não mais um tempo de monitoramento costeiro, mas a decisão fica a cargo da Prefeitura.

 

J.O – Como é realizado o trabalho de monitoramento da costa?

Professor Davis. O trabalho parte de um “vídeo margeamento” da região do Icaraí, onde teremos uma análise dia-a-dia do que acontece naquela praia, seguido de uma análise sedimentar, da característica da areia que existe naquela praia, posteriormente faremos uma avaliação de quanto à linha de praia está recuando, ou seja, a linha de costa quanto ela recua por ano. Para que teremos uma base e possamos melhor estruturar as decisões. Vamos instalar também um sistema que vai monitorar ondas e mares, não com valor de direção, mas com valor de altura. Isso já vai dar uma boa ideia do sistema físico daquela região. Monitorando ondas e mares. Para implementar qualquer estrutura que seja o ponto chave está em conhecer o sistema de ondas e mares. Conhecendo este sistema poderá dimensionar melhor qualquer estrutura que seja. O monitoramento não visa dimensionar nada. Este papel já vem outra equipe coordenada por engenheiros que são aptos a desenvolver estudos deste porte, dimensionamento, estrutura, a partir dai seria um outro viés que a Prefeitura deveria procurar que seria uma analise de propostas que possam ser aplicada a região do Icaraí. Algumas universidades, como a Universidade Federal do Ceará (UFC), tem um núcleo muito forte em engenharia e poderia atuar e contribuir efetivamente para chegar um bom delineamento. Temos o INPH no Rio que talvez seja o grupo com maior expertise nesta área de estruturas marítimas “offshores”. Ela também deve ser consultada e levada em consideração. Temos a COPPE no Rio de Janeiro que é outro centro muito avançado de engenharia que também devem ser consultado. E a partir destas consultas, mais o monitoramento costeiro, permite a chegar uma melhor decisão em termos de obra costeira a ser implementada no Icaraí. Mas, sempre lembrando que a obra tem que levar em consideração o custo, o beneficio e a eficiência. Sem os três não se consegue chegar a um bom denominador.

 

J.O – A ocupação desordenada do litoral de Caucaia é um dos grandes desafios para o futuro das praias no município?

Professor Davis. Assim como no Brasil todo, a ocupação costeira não foi bem gerenciada. Automaticamente você tem problemas de erosão costeira em quase todo trecho brasileiro de costa. Em Caucaia não poderia ser diferente. Mas, ela pode a partir de hoje aprender com o que aconteceu e planejar de uma melhor forma. Para isso é preciso de um plano de reordenamento. Este plano de reordenamento deve chegar casado com o monitoramento daquela região. O monitoramento terá que ser realizado para gerar informações e a partir daí conseguir gerenciar melhor o patrimônio da cidade. E desta forma reordenar atividades econômicas em regiões que sejam mais favoráveis. Em vez de se colocar algo em uma determinada região, desfavorável ambientalmente, trazendo um prejuízo ambiental, social e econômico e cultural, coloca-se este equipamento numa região que tenha uma capacidade melhor de absorver o impacto. E a partir daí se consegue ter uma noção melhor onde é possível ou não trabalhar em termo de desenvolvimento socioeconômico nos trechos costeiros como em Caucaia.     

 

O sistema sedimentar de Caucaia tem um défice muito grande e o défice é traduzido em erosão costeira que é o recuo da linha de costa com destruição do patrimônio edificado do litoral de Caucaia” Davis Pereira de Paula 

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Um comentário em “Da erosão na Praia do Icaraí ao laboratório de monitoramento costeiro, conversamos com o mestre Davis Pereira

  • 19 de março de 2020 em 15:40
    Permalink

    Prezado Senhor

    Eh uma tragedia grega …Da data da entrevista para o dia de hoje( 19 de marco de 2020….A Praia do Icarai continua a caminho do caos….Muito papo !!! e Muito roubo !!!!

    Newton Godniim
    AShkelon – Israel

    Resposta

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