As termoelétricas e a disputa pela água com os povos do CIPP

Há alguns meses a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), entidade ligada ao Governo do Ceará, está com um

Por jangada.online em

18 de novembro de 2017 às 21:34


Guerra pela água


Há alguns meses a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), entidade ligada ao Governo do Ceará, está com um projeto polêmico de aproveitar a água do Lagamar do Cauípe para desviar a rota e escoar direto para a grande demanda do líquido direcionada as duas usinas termoelétricas, siderúrgica e demais empresas instaladas no Complexo Portuário e Industrial do Pecém (CIPP). O projeto consta também perfurar poços na horizontal para captar água aos grandes empreendimentos da região.

 

A população do entorno do Cauípe é contra e desde os primeiros momentos que ensaia manifestações e tenta unir forças da comunidade para lutar pela causa, e não deixar a Cogerh acabar com um dos monumentos naturais mais belos do município de Caucaia (Região Metropolitana de Fortaleza, no Ceará). O lagamar também beneficia a comunidade seja através do sustento no pescado, turismo, lazer e utilização da água para necessidades pessoais.

 

O interessante disso tudo, além do destino final da obra, executada com dinheiro público pela Cogerh, que não é assegurar a garantia de abastecimento de água para a população nas comunidades vizinhas ao lagamar, o mais bizarro e devastador disso tudo é ver a obra andar em passos largos e em alta velocidade para atender apenas a necessidade da iniciativa privada do CIPP como no caso da termoelétrica que utiliza o vapor da água aquecida pela queima do carvão para gerar energia, mas para isso as usinas tem autorização de captar até 70 milhões de litros de água por dia, o que equivale a um consumo de uma cidade de 600 mil habitantes. O consumo diário de água das termoelétricas do Pecém I e II daria para abastecer toda Caucaia e ainda sobraria para a cidade de São Gonçalo do Amarante, município vizinho.

 

A crise hídrica que assolou o estado do Ceará nos últimos anos e a falta de um projeto estrutural competente que desse suporte as termoelétricas Pecém I e II, (maiores termoelétricas do Brasil) em época de estiagem, elevaram o preço da água que estas duas empresas precisam para permanecerem funcionando. Inicialmente o projeto original das duas usinas termoelétricas era para ter o gás natural como matéria propulsora da energia gerada com um consumo diário de 1,6 milhões de metros cúbicos de gás, que seriam garantidos pela Cegás, através de um gasoduto que liga o CIPP ao município produtor de gás em Guamaré, no Rio Grande do Norte. Entretanto, o projeto foi modificando com o tempo e preocupação em capacitar o investimento fez transformar o projeto inicial numa usina que agora tem como matéria prima o carvão mineral e a água para assim gerar energia.

 

Na época (2010 a 2012) o Governo do Estado do Ceará se preocupou apenas em atrair o investimento privado e em garantir a água para dar sustentabilidade ao projeto. Grupos em prol do meio ambiente denunciaram, também na época, o grande problema ambiental que seria em curto prazo, caso as usinas fossem movidas a carvão mineral e a água, tanto pela carência e dificuldade de se conseguir a água para o alto consumo das usinas como por conta da poluição do pó do carvão que prejudicaria as comunidades nativas. No entanto, outra alternativa era o projeto ter nascido com a tecnologia da captação da água salgada, e dessalinizar, e assim ser possível aproveitá-la no processo de geração de energia. Mas, o Estado preferiu investir na forma mais economicamente viável. Como o investimento poderia ficar com um valor alto demais o Governo preferiu empurrar os possíveis problemas futuros com a barriga e oferecer a viabilidade de assegurar a água através dos recursos hídricos existentes no Estado. Não teve um estudo mais elaborado e preciso para prevenir em casos de secas prolongadas, como a que todo o Nordeste foi atingido nos últimos cinco anos. Esta falta de um planejamento mais em conformidade com a realidade cearense, apenas para baratear o projeto e convencer os investidores, levou a disputa testemunhada nos últimos meses com a população nativa de um lado, querendo proteger seu último recurso hídrico, e o próprio Governo, unido as empresas, de outro lado, apropriando-se dos últimos recursos hídricos dos povos do CIPP, na busca da saída desastrosa para atender a demanda das empresas.

 

Retirar água do mar e transformar em água pronta para gerar energia é viável, mas requer mais tempo, estudo e mais investimentos. Segundo fontes do jangada.online há nos termos contratuais do Governo do Ceará com os investidores das termoelétricas do Pecém I e II a obrigação do Estado de fornecer a água sob pena de multas contratuais diárias, caso não forneçam a matéria prima da água para geração de energia.

 

Outro agravante que menospreza o interesse comum dos nativos para assegurar a viabilidade do interesse privado é o anúncio em maio de 2017 de um possível investimento de R$ 1,5 bilhões da companhia Energias de Portugal (EDP), sócia da usina Pecém I e II, que pretende instalar uma nova usina termoelétrica na região. Outros dois Estados disputam este empreendimento. Caso o Ceará ganhe o CIPP será o local da instalação. É por conta de oferecer a infraestrutura necessária para assegurar mais um empreendimento que o Estado se rende a qualquer tipo de situação para ganhar a preferencia e o gosto dos investidores internacionais. Inclusive passar por cima do interesse local da comunidade ou desrespeitar ainda mais o meio ambiente.

 

Para assegurar a obra que desvia água do Lagamar do Cauípe até a força policial está sendo usada contra a população e suas dignas manifestações para não atrapalhar o andamento dos canteiros da obra que seguem a todo vapor com a encanação do sistema de abastecimento e instalação dos poços no Lagamar do Cauípe para o CIPP. Enquanto isso a população do entorno do Cauípe não tem sequer água potável encanada para consumo humano em suas residências, reinvindicação de décadas que nunca foi atendida, seja pela Cogerh, Governo do Ceará ou Cagece.

 

Agora o abuso da Cogerh ganhou ainda mais uma dimensão de poder autoritário sobre a gerência das águas no Ceará para suprir as necessidades do lucro das empresas em prejuízo das comunidades que há décadas residem próximo aos espelhos d’água na região do entorno do CIPP. Já não bastasse a problemática e repercussão do caso da perfuração de poços nas Cristalinas e retirada de água do Lagamar do Cauípe, no município de Caucaia, agora o órgão público que gere as águas no Estado quer desapropriar a população e retirar água também dos aquíferos de Siupé, Taíba e Parada pertencentes ao município de São Gonçalo do Amarante (SGA), localizando também na Região Metropolitana de Fortaleza.

 

As comunidades destas três localidades se juntam ao mesmo sofrimento e absurdo do projeto da Cogerh para cavar poços e retirar água dos aquíferos do Lagamar do Cauípe em benefício do CIPP e desta forma atender a necessidade de água das duas usinas termoelétricas e da Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP).

 

Diante este dilema das populações impactadas pela guerra da água que a Cogerh encabeça em defesa não da população, mas das instituições privadas, as comunidades do Lagamar do Cauípe, e as comunidades de Siupé, Taíba e Parada, bem como todo o povo que sofre com o uso irracional das águas e dos recursos naturais e de todos que são atingidos com os impactos do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP), estão unindo forças na luta pela nobre causa e pretendem que seu grito de clemência cheguem aos quatro cantos do Brasil. A luta pela água nesta região nada mais é do que a continuação e modernização da luta do poder de classes sociais. Onde a batalha pelo direito a água,  a preservação da natureza e o respeito ao ser humano garantido para as famílias e comunidades tradicionais deve se sobrepor a força do poder econômico das indústrias que se utiliza até de órgãos públicos para financiar e executar a estrutura necessária para manter estes empreendimentos em funcionamento. Mesmo que para isso seja necessário dissimular uma população ou o ecossistema que dar sustentabilidade para este povo.

 

Enquanto o interior do Ceará convive todos os anos com estiagem, sem uma intervenção mais apropriada e eficaz contra a seca, a grande prioridade da Cogerh parece ser assegurar água para o setor econômico do CIPP. Que diga a velocidade de outorgas ambientais e das obras de encanamento. Que diga a sede e falta de água que ainda hoje é a carência número um de milhares de famílias cearenses em várias cidades do Estado.

jangada.online

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